Um novo tempo

“As transformações digitais tão necessárias para o mundo dos negócios dependem mais do comportamento humano do que das máquinas.” A avaliação é de José Salibi Neto, um dos maiores especialistas do Brasil e do mundo quando o assunto é gestão. 

Salibi sabe como ninguém o que as empresas e os profissionais precisam fazer para atingirem suas melhores performances. E acredita que, nestes novos tempos, mais do que investir em tecnologia, é necessário incentivar a mudança de mentalidade —– tanto de gestores quanto de funcionários. 

Profundo estudioso do tema, ele se dedica há anos e com afinco a compartilhar todo o seu conhecimento e colaborar para o sucesso das organizações. Aprendiz e amigo de Peter Druker — um dos gurus da administração e gestão —, Salib é pesquisador, palestrante, empreendedor, autor de livros e professor. 

Além disso, é um dos criadores da HSM, uma das maiores empresas do país no segmento de educação executiva. Trabalhou por lá cerca de 30 anos até resolver alçar novos voos profissionais.

Debruçou-se, então, a estudar as transformações que estão surgindo com as novas tecnologias e como isso tem impactado os profissionais, as organizações e os próprios modelos de gestão e de negócios. Desses estudos e de toda a sua trajetória trabalhando com os maiores pensadores do tema e líderes mundiais, surgiram importantes livros.

Com Sandro Magaldi, escreveu a Tríade da Gestão Exponencial, que é composta por três obras: Gestão do Amanhã, o Novo Código da Cultura e Estratégia Adaptativa: O novo tratado do pensamento estratégico, que foi publicado no fim de 2020. 

Nesse último livro, os autores desenvolveram o conceito de “estratégia adaptativa”, um modelo de gestão mais alinhado com os novos tempos, em que é preciso trabalhar com dados, agilidade e cultura, tendo o cliente como foco. O objetivo da obra é auxiliar as empresas a se adaptarem a estsa nova era, inovarem e se manterem competitivas.

Nesta entrevista para a Revista Saber Cooperar, José Salibi Neto aborda esse novo modelo estratégico essencial às empresas —, as transformações digitais —, compartilha suas impressões sobre o momento que estamos vivendo e mostra, de maneira bem sincera e construtiva, como as cooperativas podem aplicar todos esses conhecimentos à sua realidade. Confira:

Saber Cooperar: Você poderia começar contando um pouco mais sobre seu novo livro? Como ele surgiu?

José Salibi Neto: A origem de tudo foi o nosso livro Gestão do Amanhã, um manifesto que mostra o ambiente em que estamos vivendo e como a tecnologia está transformando a gestão. Lançamos o livro há uns três anos e meio. E depois nós percebemos, pesquisando mais, que, se as empresas não criassem o ambiente correto, se não tivessem a cultura correta, não conseguiriam fazer as transformações digitais. Percebemos que o digital tem mais a ver com comportamento do que com máquina. E com isso a gente acaba jogando com a ideia de uma nova maneira de pensar a estratégia. 

Saber Cooperar: Então, a estratégia está mudando ao longo do tempo?

Salibi Neto: A estratégia se divide em três grandes blocos. O primeiro bloco, que vai da Primeira Revolução Industrial até o fim dos anos 1970, é o bloco da Era das Operações. Do começo dos anos 1980, quando tivemos o advento da globalização, até os anos 2000, tivemos a Era da Competição, onde o foco era o competidor. Depois, a partir dos anos 2000, a tecnologia pega uma tração muito grande e derruba barreiras.

Saber Cooperar: E qual é o diferencial deste bloco que estamos vivendo?

Salibi Neto: Nele, a única chance de ter sucesso é focando no cliente e colocando-o ele no centro. Logicamente, rodeado por dados; por uma inovação constante, uma vez que os ciclos dos produtos e serviços estão ficando cada vez mais curtos e os sistemas, mais ágeis; e uma cultura [organizacional] que impulsione tudo isso.

Saber Cooperar: De onde “beberam” para desenvolverem esse conceito de Estratégia Adaptativa?

Salibi Neto: Esse modelo é uma evolução do modelo do professor Michael Porter, o pai da estratégia competitiva. Agora, chamamos de Estratégia Adaptativa para mostrar uma nova maneira de pensar em um mundo dirigido pela tecnologia.

Saber Cooperar: Qual é o grande diferencial deste momento que estamos vivendo?

Salibi Neto: A partir do momento em que a tecnologia pega tração nos anos 2000, em que vimos a ascensão da computação em nuvem, streaming e um mundo cada vez mais digital, o cliente toma um novo poder. Ele fica completamente empoderado.  Antes, as empresas que focavam na competição, procuravam criar barreiras para que ninguém entrasse. Um exemplo são os bancos: eles criavam milhares de agências;, então, era praticamente impossível começar um banco. De repente, vem a tecnologia, que começa a crescer exponencialmente, e surge um banco como o Nubank, que tem 40 milhões de clientes e nenhuma agência. Entramos nessa era do empoderamento do cliente, onde, obviamente, é importante olhar para a concorrência, mas o foco é resolver os problemas, as necessidades e demandas dos clientes.

Saber Cooperar: Então não basta as organizações investirem em tecnologia, certo?

Salibi Neto: Com certeza, não. Qualquer empresa que tem dinheiro compra tecnologia. É o exemplo que sempre dou: as operadoras que colocam seus robôs para ligar para mim e para milhões de brasileiros estão usando a tecnologia, mas estão usando de maneira errada. Não adianta nada ter tecnologia se não tiver os comportamentos certos e souber potencializar essas tecnologias para que elas joguem ao seu lado, e não contra você.

Saber Cooperar: Quais têm sido os principais empecilhos para a maioria das empresas nestes novos tempos?

Salibi Neto: O maior empecilho tem sido a cultura organizacional. Essa cultura é formada por comportamentos, artefatos, crenças, pressupostos, normas. A cultura de uma empresa é o jeito que ela faz as coisas. 

Saber Cooperar: E como é possível conseguir essas transformações?

Salibi Neto: Primeiro, é importante lembrar que nós temos dois tipos de empresas: as startups, que são empresas novas, que estão aproveitando as tecnologias para resolver problemas que não eram resolvidos pelas empresas tradicionais; e temos as empresas tradicionais, que nasceram em um mundo voltado para a concorrência, em que clientes eram importantes, mas não eram prioridade. Para mudar isso, tem que mudar o comportamento da empresa. 

Saber Cooperar: Existe resistência? Medo? Conservadorismo?

Salibi Neto: Todo mundo já entendeu que precisa mudar. Mas não sabem como, o. Ou fazem de uma maneira equivocada. Muitas acham que é só tecnologia, comprar inteligência artificial e robôs, ou seja, não é só tecnologia, é preciso mudar pessoas. Só que mudar pessoas dá muito trabalho. Para conseguir mudar comportamentos de uma empresa tradicional grande, leva, no mínimo, três anos.

Saber Cooperar: Pode dar exemplo de uma empresa que tem conseguido fazer isso bem?

Salibi Neto: São poucas. Um dos exemplos é a Magazine Luiza. Ela era uma empresa varejista que só vendia produtos, e hoje é uma plataforma digital, centrada no cliente, que está sempre inovando. É um típico exemplo dao Estratégia Adaptativa. Então, pPara operar nesse mundo, você precisa mexer em várias coisas: na cultura, nos dados, em sistemas ágeis.

Saber Cooperar: Arriscar é preciso?

Salibi Neto: Antes, na cultura de eficiência, as pessoas não podiam errar. Se elas errassem, eram crucificadas. Agora, a gente não consegue inovação se as pessoas não se arriscarem, se não tentarem e errarem. O erro, no sentido de tentar coisas, é muito importante.

Saber Cooperar: Acredita que os profissionais do mercado estão prontos para isso?

Salibi Neto: Eu vi uma pesquisa recentemente dizendo que somente 2% dos colaboradores de uma empresa tradicional estão preparados para mudar em um mundo digital como conhecemos. É necessário desenvolver a competência digital dos colaboradores. É fundamental! Porque senão as empresas não conseguirão se adaptar.

Saber Cooperar: Qual é a habilidade profissional mais relevante nestse momento?

Salibi Neto: As habilidades necessárias evoluíram. As habilidades antigas —– como saber liderar pessoas, trabalhar em equipe, criar ambientes colaborativos —– são importantes; mas hoje temos outras habilidades. Uma delas é saber conectar as pontas. Hoje temos um universo grande de habilidades e tecnologias, e todas estão se convergindo. Antes, você mandava o cara da Tecnologia da Informação para resolver isso, mas hoje, se o líder não souber fazer essas conexões, acabam sendo engolidos. 

Saber Cooperar: E quanto às cooperativas? Quais mudanças são essenciais para que elas façam frente a todas essas transformações de maneira competitiva?

Salibi Neto: Acho que é necessária uma revisão na governança do sistema cooperativista, que é um sistema de muito sucesso. Admiro o sistema cooperativista porque acho que é a maneira de um país como o Brasil se desenvolver. Mas o sistema cooperativista precisa abraçar novas ideias, gestão de dados, tecnologia e transformar cultura. A cultura cooperativista também é uma cultura forte que não foi readaptada para o tempo que vivemos. Então, é importante uma série de revisões, já que o mundo das startups não tem piedade: a hora que ele vê uma lacuna em algum lugar, ele vai lá com uma solução tecnológica e passa por cima.

Saber Cooperar: Como isso pode ser feito?

Salibi Neto: As cooperativas, agora, têm um senso de urgência. Elas precisam que seus líderes, em cima, se juntem, vejam o que é preciso mudar, e até mesmo se é preciso mudar pessoas; e ir cascateando isso para baixo, para as outras cooperativas. Podem criar centros de inovação, labs (laboratórios) e fazer auditoria na questão cultural para ver quais pessoas têm a propensão de abraçar essas questões, que tipo de tratamento vai ser feito. É necessária uma revisão para que o cooperativismo possa crescer nos próximos 100 anos. Se continuar operando como sempre operou, está sim em uma situação muito vulnerável.

Saber Cooperar: Essas iniciativas da OCB quanto à inovação e capacitação dos cooperados são fatores positivos?

Salibi Neto: Com certeza. Eu sou um dos fundadores da HSM e, nos eventos que nós fizemos durante todos esses anos, percebemos o mundo cooperativista sempre muito presente. É uma comunidade que tem uma aprendizagem na veia. Por exemplo, o mundo varejista aprendeu pouco e, por isso, tem tantas empresas se perdendo. Já o mundo cooperativista é um mundo que estuda, aprende.

Saber Cooperar: A gestão colaborativa pode ser um ponto positivo das cooperativas nestses novos tempos?

Salibi Neto: Certamente. Mas vejo muita cooperação entre uma cooperativa e os seus cooperados, e sinto que não existe grande cooperação entre as próprias cooperativas. A gente vê uma cidade com um monte de cooperativas, cada um fazendo a sua parte, mas sem muita união. Esse conceito de colaboração também precisa existir entre as cooperativas.

Saber Cooperar: E qual é a importância de estar atento às tendências do mercado e às próprias iniciativas desenvolvidas por startups?

Salibi Neto: As cooperativas precisam rever sua própria missão para aproveitar as possibilidades do mundo voltadas para a tecnologia e para criar mais valor para os seus cooperados. Assim, recomendo que o mundo cooperativista vá lá, por exemplo, no Luiza Labs [laboratório de Tecnologia e Inovação do Magazine Luiza] para ver como eles fizeram. Uma empresa de quase 70 anos, que há seis anos ninguém acreditava mais nela. Agora, seis anos depois, está valendo mais que o Bradesco. Eles abraçaram a causa e mudaram. 

Saber Cooperar: A cultura de dados também é importante nesse contexto?

Salibi Neto: Dado hoje é o novo petróleo. É você ter o comportamento do cliente através da tecnologia para criar produtos e serviços mais voltados para ele. Quando ligo a Netflix, o algoritmo está falando comigo o tempo todo e vendo como estou me comportando. E, a partir disso, ele faz recomendações. Os dados das cooperativas têm que ser da mesma maneira: trazer os comportamentos dos clientes para possibilitar o desenvolvimento de produtos e serviços que façam sentido.

Saber Cooperar: O que você recomendaria para os cooperados que querem começar a entender melhor sobre todas essas mudanças?

Salibi Neto: Não é querendo vender meus livros, mas eu e meu sócio, Sandro, nos dedicamos a vida inteira a criar ferramentas de gestão que ajudem as empresas estabelecidas neste mundo, começando pelo mindset, pela cultura e por uma nova maneira de pensar a estratégia. Então, assim, ler os nossos livros é importante. Também tem um livro chamado Mindset da Inovação, do Guilherme Horn, que é fantástico. Esse já é um bom começo: ler. Depois que todo mundo entrar em um acordo e perceber que é isso que precisam fazer, partir para a parte de operacionalizar as coisas. É importante ler, discutir e implementar. 

Saber Cooperar: O que podemos esperar do futuro?

Salibi Neto: Pode ser muito brilhante para uns e um tormento para os que não se adaptarem. É brilhante, porque a gente vive hoje em um mundo de tecnologias cada vez mais baratas que fazem com que a gente tenha uma vida prática; que a ciência aumente a nossa longevidade; que as máquinas pensem como nós (e logo pensarão melhor que nós). A gente vive em um mundo novo e dirigido pela tecnologia, e quem não souber se adaptar vai ser engolido. Não tem jeito, não tem meio- termo. Já não é uma opção, é uma obrigação.

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Esta matéria foi escrita por  Tchérena Guimarães e está publicada na Edição 35 da revista Saber Cooperar. Baixe aqui a íntegra da publicação

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