Sunchales: a capital argentina do cooperativismo

Imagine uma cidade em que o abastecimento de água é feito por uma cooperativa, em que todas as escolas têm cooperativas de estudantes, e onde três em cada dez habitantes trabalham direta ou indiretamente para entidades associativas. Esse lugar existe e fica no interior da Argentina: Sunchales, declarada a capital do cooperativismo do país em 2005. A cidade é reconhecida por seu histórico e pelo desenvolvimento baseado na economia social, dentro e fora do território argentino, e tem até uma “cidade-irmã” no Brasil. 

A 600 quilômetros de Buenos Aires, na província de Santa Fé, Sunchales tem 26 mil habitantes, cerca de 8 mil deles em postos de trabalho direta ou indiretamente ligados ao cooperativismo. Logo na entrada da cidade, no meio de uma avenida cercada por praças, está uma de suas marcas: o Monumento Nacional ao Cooperativismo, erguido em 2006, o segundo no mundo – o primeiro está em Nova Petrópolis, no Rio Grande do Sul. 

Com sete colunas, cada uma representando um dos Princípios do Cooperativismo, a obra também destaca sete valores para que os ideais cooperativistas sejam alcançados: paz, ajuda mútua, equidade, justiça, liberdade, solidariedade e responsabilidade. A construção também exibe diversas placas que marcaram visitas de importantes entidades do movimento cooperativista internacional.

Simpática como as cidades do interior, Sunchales tem ruas limpas e arborizadas, um único semáforo, e uma ampla praça central que ocupa quatro quadras —– com muitas árvores, parques e até uma estátua de Mafalda, a mais famosa personagem do cartunista argentino Quino. 

Muito além de placas e monumentos, o pequeno município tem o cooperativismo presente no dia a dia. Além de o abastecimento de água de todas as casas ser feito pela Cooperativa Águas Potáveis de Sunchales, criada em 1957, a cidade tem entidades associativas agrícolas, industriais, de seguros, serviços, trabalho, saúde, educação, cultura, comunicação audiovisual, e de capacitação e pesquisa. O impacto econômico dessas atividades é tão relevante que faz com que 83% do Produto Interno Bruto (PIB) municipal sejam relacionados a cooperativas, associações mutualistas e fundações, num total de 4,8 milhões de dólares por ano. 

Para se ter uma ideia desse volume, basta comparar com o cenário nacional argentino, em que as cooperativas são responsáveis por cerca de 10% do PIB do país, segundo dados da Confederação Cooperativa da República Argentina (Cooperar) —— entidade de representação equivalente ao Sistema OCB. 

“Temos na Argentina 10 mil cooperativas com matrícula vigente, com 18 milhões de membros. Estão presentes em mais de duas mil localidades, nos 24 estados do país, e são a empresa mais importante em muitas pequenas cidades distantes dos grandes centros urbanos, onde, inclusive, foram pioneiras em fornecer serviços públicos como energia elétrica, água e telefonia. Hoje, essas cooperativas, que em alguns casos têm 80, 90 ou 100 anos de trajetória, estão levando internet e telefonia móvel  aos lugares mais remotos, ou seja, mantêm o mesmo espírito inovador que lhes deu origem, dando respostas às demandas atuais de suas comunidades, como no começo fizeram com serviços básicos”, compara o presidente da Cooperar, Ariel Guarco, que também comanda a Aliança Cooperativa Internacional. 

COMO TUDO COMEÇOU

A  história do movimento cooperativista em Sunchales começa com a formação de entidades associativistas a partir de 1891, por imigrantes italianos, mesmo antes da primeira Lei de Cooperativas da Argentina, de 1926. Em seguida, a partir de 1929, foram criadas as primeiras associações de produtores de leite da cidade e da região.

Mas o fator determinante para a trajetória cooperativista da cidade ocorreu em 1938, com a reunião de 16 cooperativas leiteiras em uma entidade de segundo grau, a Sancor, para juntas construírem uma fábrica de manteiga. A palavra Sancor é uma fusão dos nomes dos estados de Santa Fé e Córdoba,  de onde eram as primeiras cooperativas associadas. 

A possibilidade de venda direta, sem intermédio de empresas privadas, atraiu produtores de leite da região e levou a um rápido crescimento da Sancor, que chegou a ter mais de 300 entidades associadas. Ainda hoje — mesmo atravessando uma crise financeira que desencadeou o fechamento de fábricas e venda de ativos para saldar dívidas — a cooperativa ainda tem atuação nacional e internacional, processando mais de 750 mil litros de leite diariamente. 

Criada em 1945 como um braço da cooperativa de lácteos para atender aos associados, a Sancor Seguros teve crescimento ainda mais relevante e se consolidou como líder no mercado de seguros da Argentina, com atuação também no Brasil, Paraguai e Uruguai. Hoje, essa mega cooperativa sunchalense reúne mais de 10 empresas com atuação no mercado de seguros, planos de saúde, previdência privada, resseguros, desenvolvimento tecnológico, entre outras. 

Desde 2007, o grupo Sancor Seguros tem uma fundação, criada para apoiar projetos que fortaleçam os valores cooperativistas, com foco, principalmente, na educação. Apesar da atuação multinacional, a cooperativa manteve em Sunchales sua sede – um moderno e vistoso edifício de 8,5 mil metros quadrados — com impacto direto na economia e nos níveis de ocupação e renda per capita da cidade. 

Temos orgulho de estar no interior do interior. A Sancor Seguros se manteve em Sunchales porque aqui estão nossas raízes, nossa cultura,  nossos valores, nossa gente e nossos princípios. E desde sempre o interior inspira muita confiança. Sancor termina sendo uma grande família em Sunchales, um lugar onde se respira o sentimento cooperativista”, explica o diretor de Relações Institucionais do grupo, Osiris Trossero. 

CASA COOPERATIVA

Diante da forte presença das cooperativas na cidade, em 1979 foi criada a Casa Cooperativa de Sunchales, uma entidade de segundo grau, para representação institucional do setor e promoção da cultura cooperativista por meio da formação de lideranças. De acordo com o atual presidente da instituição, Raul Colombetti, a criação foi motivada pelo sexto princípio do cooperativismo: a intercooperação.

Como cooperativa de cooperativas, e para favorecer a intercooperação, a Casa orienta suas atividades para educar e capacitar dirigentes, jovens e adolescentes, com o objetivo de fortalecer o sistema cooperativo.” 

Atualmente, a entidade tem 33 associados: 18 cooperativas e federações, 11 associações mutualistas e quatro fundações, em diversos ramos de atuação. Segundo Colombetti, a experiência sunchalense inspirou a criação de casas cooperativas em Bahía Blanca e La Plata, ambas na Argentina, e na gaúcha Nova Petrópolis, sua cidade- irmã cooperativista.

Vale destacar: a atuação institucional da Casa Cooperativa foi fundamental para a aprovação da Lei Nacional nº 26.037, de 2005, que declarou Sunchales como capital  nacional argentina do cooperativismo. Desde 1974, a cidade tinha o título em âmbito estadual. Mas o feito que mais orgulha Colombetti é o trabalho da instituição para formação de jovens cooperativistas, que se dá, principalmente, pelo apoio às cooperativas de estudantes.

 É um programa que se estendeu por todas as escolas da cidade e da região;, depois, chegou a toda a província de Santa Fé, a outras províncias, e finalmente, a países vizinhos”, conta. Uma das entidades associadas à Casa é justamente a Federação de Cooperativas Escolares de Sunchales (FeCoopES), a primeira da Argentina, criada em 2007 para concentrar as propostas desenvolvidas pelas diferentes cooperativas de estudantes.


Esta matéria foi escrita por Luana Lourenço, Correspondente da Saber Cooperar na Argentina e está publicada na Edição 33 da revista Saber Cooperar. Baixe aqui a íntegra da publicação


Conteúdos Relacionados