O futuro pede excelência

Ter uma gestão estruturada e profissional está deixando de ser um diferencial para ser um pré-requisito no ambiente corporativo, independentemente do tamanho ou ramo do negócio. 

A alta competitividade, o rápido ritmo das inovações, clientes cada vez mais exigentes e cenários volúveis tornam obrigatório ter processos transparentes, estruturados, pragmáticos e capazes de garantir a sustentabilidade do negócio.

Para explicar os ganhos que uma boa governança pode trazer para uma cooperativa, para o mercado e para toda a sociedade, convidamos dois especialistas em gestão para um bate-papo exclusivo com a Saber Cooperar.

As percepções do cooperativismo sobre governança foram apresentadas por Alexandre Gatti, superintendente da Ocemg — Organização Estadual [ARdO1] referência no desenvolvimento da gestão cooperativista; a visão do mercado é trazida por Luciana Matos Lima, consultora da Fundação Nacional da Qualidade (FNQ).  

Ambos os entrevistados comentam, ainda, a importância da implantação — há exatos 10 anos — do diagnóstico de Governança e Gestão das cooperativas. Confira! 

Saber Cooperar: A estruturação de um modelo de governança corporativa nas instituições é mais uma tendência de momento ou uma mudança necessária para garantir a sustentabilidade dos negócios?

Alexandre Gatti: Sem dúvida, uma mudança necessária para garantir a sustentabilidade dos negócios. O contexto de mercado, hoje, é complexo, de alta competitividade e marcado pelo fluxo constante de informações. Por isso, assim como todas as organizações que se pretendam perenes, as cooperativas precisam acompanhar as inovações, superar os desafios comerciais e se destacar por seus produtos e serviços de qualidade. Tenho convicção de que isso só é possível por meio de processos de melhoria constantes, viabilizados por um eficiente modelo de governança. 

Luciana Matos Lima: A estruturação de um modelo de governança é fundamental para a sustentabilidade e perenidade das cooperativas. Pode parecer modismo, mas, na verdade, é uma evolução do mundo de negócios, decorrente de pressões da sociedade, em virtude de inúmeros escândalos de corrupção e de práticas consideradas inaceitáveis nos dias de hoje. Esse novo ambiente de negócios, mais avesso à prática de alcance de resultados a qualquer custo, exige novas práticas de governança — responsável pela definição dos princípios e das diretrizes que serão colocados em prática na gestão dos negócios. Não estruturar o modelo de governança, utilizando as melhores práticas disponíveis, pode trazer custos econômicos e reputacionais irreparáveis a qualquer negócio.

Quais são os três principais ganhos que uma organização tem ao adotar boas práticas de governança?

Alexandre: Acredito que um dos principais ganhos seja a transparência com o quadro social e a sociedade, o que reflete em um ambiente de credibilidade e atuação mais eficiente. Considero, também, a profissionalização da gestão e o aumento da competitividade como aspectos muito positivos nas cooperativas que priorizam a adoção de boas práticas em seus negócios cotidianos. 

Luciana: A base de qualquer transação comercial é a confiança. Sem confiança, não há negócios nem investimento em organizações. Ao adotar boas práticas de governança, uma cooperativa amplia a confiança depositada nela, por suas diversas partes interessadas, de que leis e regulamentos são cumpridos e que as decisões tomadas compreendem a análise dos riscos envolvidos e dos interesses de todos aqueles que serão impactados por essas decisões. Esse é um ganho, muitas vezes, difícil de mensurar, mas que traz inúmeros benefícios para a operação e a reputação da organização. Outros ganhos que posso destacar são a criação ou o fortalecimento de uma cultura ética, de conformidade e integridade, e a profissionalização da gestão interna, pautada por melhores diretrizes emanadas da governança.

A boa governança ajuda a otimizar processos, mas tem potencial para gerar resultados financeiros reais para a organização? Como isso acontece?

Alexandre: Sim. Inclusive, acredito que essa não é uma opção, mas uma necessidade nas cooperativas comprometidas com a sustentabilidade. Justamente porque não é possível investir em governança e ESG sem os resultados financeiros. Quando otimizamos processos, naturalmente, reduzimos custos, ampliamos a capacidade de gerar negócios, nos posicionamos melhor no mercado, aprimoramos nossos canais de relacionamento e por aí seguimos em uma cadeia muito positiva, do ponto de vista dos negócios. 

Luciana: A boa governança tem duplo papel na geração de resultados financeiros reais: o primeiro está relacionado ao futuro, ao acompanhar continuamente o ambiente externo; a governança enxerga novas oportunidades de negócios que não só trarão ganhos financeiros reais, como poderão ser fundamentais para a sobrevivência e o crescimento da organização. O segundo papel está relacionado ao presente, ao monitorar e acompanhar a execução das diretrizes traçadas e o desempenho alcançado, a fim de corrigir eventuais rotas para maximizar o alcance dos resultados financeiros planejados.

Adotar boas práticas de governança pode ajudar as cooperativas, mas o que isso traz de positivo para a sociedade? E para a economia? 

Alexandre: Os ganhos são para todos. Onde existem cooperativas, comprovadamente, existem ganhos de desenvolvimento econômico e social para todo o seu entorno. Afinal, a responsabilidade social está no DNA do setor e o interesse pela comunidade faz parte de nossos princípios desde as nossas origens, há mais de 170 anos. Resumindo, onde tem cooperativa, tem resultados compartilhados para cooperados, colaboradores, dirigentes, sociedade, parceiros e fornecedores. É a verdadeira relação ganha-ganha: a cooperativa se desenvolve e investe parte de seus resultados diretamente no seu entorno, seja por meio de programas e projetos sociais, seja na geração de emprego e renda, ou na melhoria dos principais indicadores econômicos e sociais locais.

Luciana: Ao adotar boas práticas de governança, as cooperativas mudam o seu processo de tomada de decisão, que passa a considerar tanto a identidade da organização como os impactos das decisões sobre o conjunto de suas partes interessadas, a sociedade em geral e o meio ambiente, visando o bem comum. Isso é o que o Instituto Brasileiro de Governança Corporativa chama de deliberação ética, trazendo para a pauta da governança temas como corrupção, assédio, diversidade, inclusão e meio ambiente. A discussão desses temas e a adoção de políticas específicas para regulamentá-los no ambiente de negócios trazem importantes ganhos para a sociedade, pois as cooperativas se engajam na solução de problemas que afetam todos nós, como a desigualdade social e as mudanças climáticas. Para a economia, o impacto positivo é ainda maior. Organizações que adotam boa governança têm melhores resultados financeiros, recebem mais investimentos e resistem melhor a eventuais crises econômicas, se recuperando mais rapidamente.

Na sua avaliação, as cooperativas brasileiras já têm um olhar mais sensível para a importância da profissionalização da gestão? 

Alexandre: Certamente. Em Minas Gerais, principalmente, em função do trabalho realizado pelo Sistema Ocemg no que se refere à formação de lideranças, ao acompanhamento e monitoramento de cooperativas, esse já é um contexto prático. Vale destacar, aqui, que nossa equipe trabalha com energia e de forma comprometida, não só para oferecer soluções que fortaleçam o movimento cooperativista, mas as melhores ações, destinadas a impulsionar a competitividade do setor —, entre elas está o Programa de Desenvolvimento de Gestão de Cooperativas (PDGC), carro-chefe no trabalho realizado junto às coops mineiras.

Luciana: Acredito que as cooperativas brasileiras compreendem perfeitamente a importância da profissionalização da gestão em virtude de pressões e condições dos ambientes em que atuam: temos cooperativas que exportam para todo o mundo, devendo cumprir regulamentos internacionais; temos cooperativas atuando em ambientes extremamente regulados, como o crédito e a saúde, que impõem a necessidade de uma gestão profissionalizada para assegurar a sobrevivência. É importante também destacar a atuação do Sistema OCB na conscientização das cooperativas sobre a necessidade de desenvolver a gestão para a melhoria da competitividade.

Quais são os desafios que você enxerga para a implementação da governança corporativa nas cooperativas brasileiras hoje?  

Alexandre: A visão sistêmica. Precisamos avançar nessa pauta para fortalecer o nosso próprio posicionamento diante do mercado. As cooperativas fazem muito — e fazem bem. Acredito que, ao seguirmos nos aprimorando nesses processos de desempenho, produtividade, competitividade, cultura da excelência da gestão, nada poderá nos segurar no futuro, do ponto de vista de resultados no mercado e junto à sociedade. A nossa causa e o nosso modelo de negócios são salutares, eficientes e agregadores.

Luciana: Vejo dois grandes desafios. Um está na construção e no fortalecimento do senso de pertencimento do cooperado. A governança em cooperativas não pode jamais esquecer os princípios e valores que pautam o modelo de negócio cooperativista e, muitas vezes, a adoção de referências do mundo corporativo pode ocasionar um distanciamento do quadro social, o que coloca em risco a continuidade da cooperativa. O segundo é a compreensão de que boa governança é para todas as cooperativas, independentemente do seu ramo ou de seu porte. A própria Lei 5.764/1971 estabelece uma estrutura mínima de governança para qualquer cooperativa, que pode ser melhorada a partir da comparação com referenciais existentes, como o diagnóstico de Governança e Gestão das cooperativas — modelo próprio do cooperativismo.

A governança corporativa é para todo mundo, ou é necessário ter um tamanho mínimo de faturamento para adotar a governança? Mesmo as cooperativas menores podem adotá-la? 

Alexandre: Para todo mundo, com certeza. Aliás, quanto mais a cooperativa se atentar para a importância desse processo desde a sua constituição, maiores serão também as chances de suas atividades crescerem e frutificarem já de acordo com a cultura da excelência, com uma boa governança e, por conseguinte, com uma tendência a resultados muito mais saudáveis e perenes. 

Luciana: A governança corporativa é para todos, independentemente do faturamento. No caso de cooperativas, a própria Lei Geral do Cooperativismo traz uma estrutura mínima, cabendo à cooperativa melhorá-la com a adoção de práticas adequadas ao seu contexto de atuação e disponibilidade de recursos. A grande maioria dos modelos de governança estabelecem o que deve ser feito, não como deve ser feito. O jeito de fazer é uma decisão da cooperativa, de acordo com sua realidade; e é por isso que qualquer cooperativa pode adotar boas práticas de governança.

Por onde começar a implantar um processo de melhoria da governança corporativa? 

Alexandre: Sem dúvida, a partir da sensibilização das lideranças. São elas que farão o processo começar e se desenvolver. É, inclusive, papel delas apresentar as prioridades de atuação institucional. São elas também que assumirão as consequências positivas da implantação de programas de governança ou as consequências da não priorização de ações que possam solucionar os principais desafios de atuação de suas cooperativas no mercado.

Luciana: O primeiro passo é escolher um modelo de referência para avaliar as práticas hoje adotadas pela cooperativa e identificar iniciativas que devem ser continuadas e fortalecidas, e temas que ainda não são abordados pela cooperativa. A partir do resultado desse diagnóstico, a cooperativa deve definir o patamar que deseja obter e estabelecer um plano ou projeto para alcançá-lo.

Qual é a importância de programas de autoavaliação, como o diagnóstico de Governança e Gestão?

Alexandre: O Programa de Desenvolvimento de Gestão é muito importante, especialmente para disseminar a cultura da excelência e da busca permanente por melhorias e boas práticas. O programa traz um aprendizado organizacional singular, capaz de redirecionar positivamente o posicionamento e os resultados das cooperativas no mercado.

Luciana: Esses programas de autoavaliação são fundamentais, porque promovem o desenvolvimento da governança e da gestão por meio de instrumentos de diagnóstico, que podem ser aplicados pela equipe interna da organização, com ou sem o apoio de profissionais externos. Além disso, esses programas trazem ações voltadas para a capacitação e o desenvolvimento dos profissionais sobre os temas, o que é fundamental para a construção de uma cultura voltada para a melhoria contínua e o aprendizado. Finalmente, muitos dos programas adotam estratégias de reconhecimento que permitem às organizações celebrar as conquistas alcançadas, o que contribui para o engajamento de todos. O Programa de Desenvolvimento de Gestão tem tudo isso e mais alguns diferenciais importantes, como: diagnósticos construídos com base nos princípios e valores do cooperativismo; usa como referência os Fundamentos da Excelência, alinhados aos fundamentos do Capitalismo Consciente; e é evolutivo, com diferentes níveis de maturidade, permitindo que cada cooperativa possa realizar sua jornada de melhoria de maneira sustentada e de acordo com sua realidade.

O diagnóstico de governança e gestão das cooperativas, lançado pelo Sistema OCB, faz 10 anos em 2023. De lá para cá, mais de 1.200 coops brasileiras participaram do programa. Já é possível ver os resultados desse programa? 

Alexandre: Minas Gerais se destacou em todas as edições do Prêmio SomosCoop Excelência de Gestão, com o maior número de cooperativas participantes e com o maior número de premiadas — um reflexo de como elas têm investido em gestão e governança. Desde a primeira edição do diagnóstico, em 2013, nossas cooperativas estão entre as melhores do país. Naquele ano, oito das 28 premiadas eram mineiras, um percentual de 29% do total; em 2015, o percentual subiu para 35%, com 11 premiadas das 32 cooperativas vencedoras; na última edição do Prêmio, em 2021, aumentamos o número de cooperativas premiadas (foram 42 cooperativas reconhecidas entre as 103 brasileiras finalistas). Temos observado o interesse cada vez maior de participação em Minas, o que reflete a preocupação do setor na busca pela excelência da gestão, justamente por estarem confirmando ano após ano os avanços práticos que o programa promove e impactando nos resultados gerais do empreendimento e do setor. 

Luciana: É possível ver muitas mudanças no ambiente interno das cooperativas que adotam o diagnóstico de Governança e Gestão cooperativista. Destaco algumas: fortalecimento da cultura do cooperativismo e de uma cultura pautada pela integridade, capacidade de aprender e engajamento de todas as partes interessadas; inserção do desenvolvimento sustentável nos direcionamentos estratégicos; promoção da inovação e melhoria dos processos; e, finalmente, a preocupação com resultados financeiros e com resultados que consideram também a geração de valor para os colaboradores, fornecedores, sociedade e meio ambiente.


Esta matéria foi escrita por Paula Andrade e está publicada na Edição 41 da revista Saber Cooperar. Baixe aqui a íntegra da publicação


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