Como nasce um líder

Abre Campo é uma cidade como centenas de outras, típicas do interior de Minas Gerais. Uma igreja no centro, as ruas comerciais onde vendedores e clientes se conhecem pelo nome, árvores bem- cuidadas que refrescam os dias mais quentes. Tem cerca de 13 mil habitantes e suas principais atividades econômicas estão ligadas ao campo —– milho, café e criação de gado, principalmente de leite. Fica às margens da BR-262, a cerca de 220 quilômetros de Belo Horizonte.  

No fim da década de 1990, uma comissão de comerciantes e empresários de Abre Campo pegou a estrada até a capital mineira com um pedido a fazer: evitar que o Banco Credireal, fundado na década de 1920, fechasse a única agência bancária existente na cidade. 

Com a demanda debaixo do braço, bateram na porta da sala de Marco Aurélio Almada, que trabalhava, em uma sala fechada do banco, com os estudos que embasariam o encerramento de mais de 100 agências espalhadas pelo estado. O banco vivia uma reformulação à época, e seria incorporado pelo Bradesco pouco depois.  

Almada ouviu dos comerciantes que, sem a agência, os aposentados teriam de pegar estrada até cidades vizinhas para sacar suas aposentadorias, os comerciantes não conseguiriam mais descontar os cheques dos clientes e os demais moradores teriam de viajar para pagar contas. Um transtorno completo para quem estava acostumado a resolver os problemas financeiros do dia a dia ali mesmo, na praça central de Abre Campo.   

“Eu me senti um banqueiro mau”, confidenciou Almada mais de três décadas depois. Aquele episódio foi uma espécie de turning point na sua carreira. Ao perceber como as decisões tomadas em salas fechadas impactavam na vida de pessoas reais, com suas próprias rotinas e seus hábitos, o então diretor do Banco Credireal ficou pensativo. Ali surgiu nele a semente do cooperativismo.

DISLEXIA

Marco Aurélio Almada nasceu em Belo Horizonte, em 1966. Filho de um alto executivo da mineradora Vale, se acostumou desde cedo com a rotina de um pai atarefado com as rotinas de trabalho e que tinha o costume de viajar a trabalho. 

Logo na infância, recebeu um diagnóstico médico que mudou sua vida. Se, hoje, ele é classificado por colegas de trabalho como uma pessoa “dedicada” e “compromissada”, isso se deve muito ao fato de ter sido diagnosticado com dislexia no começo da vida. 

Naquele momento, a ciência e, a medicina diziam que ele estava condenado, que não tinha futuro, que não iria longe”, conta o superintendente de Gestão e Estratégia, Cláudio Halley, que trabalha diretamente com Almada há cerca de 12 anos. 

“A mãe dele não aceitou esse diagnóstico e o colocou para estudar bastante. E ele foi se conscientizando. A dislexia, portanto, foi uma alavanca de desenvolvimento, um estímulo para a superação de limites”, conta Halley. 

O diagnóstico veio acompanhado de um remédio, amargo nas primeiras doses, mas que se tornou uma companhia para sempre: a leitura. Todas as pessoas que contribuíram para a construção desse perfil, conhecidos de longa data de Almada, o definem como um leitor voraz. 

Quem tem dislexia tem uma dificuldade maior para ler e escrever. Meu hábito de leitura começou nessa época. Eu não gostava, mas me forçava a ler —, de certa forma, até obrigado. Eu lia e custava a entender. Aí, lia uma segunda e uma terceira vez. Depois, passei a ter gosto para isso”, revela Almada.

Se, por um lado, tentou neutralizar as dificuldades de ler e escrever por meio da leitura, por outro, Almada desenvolveu mais uma habilidade crucial para que pudesse chegar ao posto que ocupa hoje: a oratória. Tanto, que é  pela voz que o presidente do Bancoob — formado em Administração de Empresas — conquista seus funcionários. 

CONVITE

Depois do processo que resultou na compra do Banco Credireal pelo Bradesco, Almada foi convidado pelo então presidente do Bancoob, Raimundo Mariano do Vale, para se tornar superintendente da instituição financeira. A situação envolvendo a comissão de comerciantes de Abre Campo ainda estava na sua cabeça quando o executivo explicou para ele o que era o cooperativismo e como a instituição poderia melhorar a vida das pessoas. 

Marco Aurélio Almada ouviu atento a conversa de um de seus “mentores”;, rejeitou o primeiro convite, mas se sentiu impelido a aceitar um novo pedido. 

Eu faria exatamente o mesmo trabalho que eu estava acostumado a fazer, mas veria um resultado prático. Em vez de trabalhar para o lucro dos acionistas do mercado financeiro —, e não vejo mal nenhum nisso —, trabalharia para fazer a diferença na vida das pessoas”, afirmou. 

O processo de convencimento feito pelo primeiro presidente do Bancoob também se tornou a estratégia de Almada para montar a sua equipe. 

Tatiana Carvalho Lima de Alencar Matos, que hoje atua como Superintendente de Educação Corporativa, entrou no Sistema Sicoob em 2004, depois de ter sido entrevistada pelo próprio Almada. Segundo ela, sua entrevista foi incomum. Embora fosse ela quem estava passando pelo processo seletivo, foi o futuro chefe quem falou mais na ocasião. 

“Eu mal sabia o que me esperava naquela entrevista. Em uma conversa de 30 minutos, eu pouco falei, e, ele, ficou contando os desafios do cooperativismo. Ele falava com uma empolgação tão absurda, que eu disse que não queria saber o que eu iria fazer lá, somente que eu queria estar lá”, relembrou.  “Ele passa essa energia na fala, no não -verbal, no olhar, e vai inspirando e carregando o pessoal atrás dele, como um legado”, conta.

A estratégia também marcou a contratação de Michelle Mattos, que entrou na Confederação Nacional de Cooperativas de Crédito do Sicoob como Analista de Normas e, hoje, é gerente de Governança Corporativa do Sicoob.

Fui entrevistada por ele e, logo no começo, ele já se demonstrou brilhante. Eu estava começando a minha carreira e, com toda a empolgação, ele acabou me dando uma aula sobre cooperativismo, responsabilidade social e a importância da instituição para a sociedade. Eu me encantei”,  conta.   

Almada diz que sempre gostou de trazer pessoas “acima da média” e de participar dos processos de seleção de seus funcionários. 

Um episódio, contado com bom humor pelo diretor da subsidiária Seguro de Vida do Sicoob, Marcelo Carneiro Costa, explica. Ele conheceu Almada em 1998, quando comandava uma franquia de pizzas em um shopping de Brasília, e foi convidado a participar de um processo seletivo para o cargo de Assistente I, cujo salário era de R$ 1.500 mensais. Empreendedor, seria seu primeiro emprego de carteira assinada. E, apesar de ser mais qualificado que seus concorrentes durante a seleção, quase não foi aprovado. 

“Fiquei sabendo anos depois, por outras pessoas, que eles iam me dar bomba. Eles achavam que eu era mais qualificado do que a proposta oferecia. Uma das frases que o Almada disse aos colegas na ocasião foi: ‘prefiro segurar um cavalo de corrida do que explorar um pangaré”, conta, em meio a risadas. 

Foi dessa forma, “comparado a um equüino”, como ele mesmo diz, que Marcelo começou sua trajetória no cooperativismo, lançado por Almada.  

CRESCIMENTO

Ao longo das últimas (quase) três décadas, o Sicoob se tornou um sistema, como gostam de frisar os colaboradores. Muitos deles creditam ao próprio Almada a expansão do grupo e do próprio cooperativismo no país. Os termos estrategista, conhecedor e visionário foram citados em todos os depoimentos dados para a construção desse perfil. Talvez por isso, Almada tenha sido eleito em 2020, por voto popular, um “influenciador coop” — título do qual ele muito se orgulha.

Muito por conta de Almada, nós saímos de uma situação de um banco de pouca abrangência, em termos de produtos e serviços, para um banco completo, com uma empresa de seguros, de consórcio, de meios de pagamento, previdência privada, DTVM e operações que qualquer grande banco tenha hoje. Não tem uma linha de negócio que esteja faltando”, explica Rubens Rodrigues Filho, diretor de Controle e Riscos do Centro Cooperativo Sicoob (CCS). 

Reconhecido por seus pares, Almada foi nomeado diretor-presidente do Centro Cooperativo Sicoob em 2020. E, em vez de olhar para o passado, ele prefere se concentrar no futuro. 

“Estamos vivendo um momento de disrupção da indústria financeira como um todo. O cooperativismo de crédito continua supernatual na sua essência, mas faz parte de um negócio que está se tornando obsolescente rapidamente, e que tem que ser rejuvenescido. Esse é o desafio.”

Na contramão das demais instituições financeiras, o Sicoob tem apostado na expansão das agências físicas no país. Hoje, de acordo com o Banco Central, o Sicoob possui 3.523 unidades espalhadas por todo o país, sendo o segundo maior — à frente dos gigantes Caixa Econômica Federal, Bradesco e Itaú. Mas, a mais especial, para Almada, talvez, seja a que está localizada na Rua Doutor Olinto de Abreu, 175, em Abre Campo.


Esta matéria foi escrita por Lucas Pavanelli e está publicada na Edição 34 da revista Saber Cooperar. Baixe aqui a íntegra da publicação


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