Qualificar para desenvolver



Curitiba (2/10/19) – Na visão de João Paulo Koslovski, que comandou a Ocepar por 20 anos (1996-2016), a criação do Sescoop (Serviço Nacional de Aprendizagem do Cooperativismo) foi um divisor de águas na história do setor no Brasil. Com entidade própria do Sistema S, os repasses das cooperativas retornaram em investimentos constantes na qualificação de seu capital humano. “O avanço proporcionado pelo Sescoop é inquestionável, com a melhoria da qualidade de gestão e a profissionalização nos diferentes setores das cooperativas”, avalia.

O Sescoop foi criado em 3 de setembro de 1998, por meio da Medida Provisória 1.715, como decorrência do Programa de Revitalização de Cooperativas de Produção Agropecuária (Recoop). No Paraná, o Sescoop foi implantado pela Ocepar em 21 de setembro de 1999.

Para Koslovski, que teve papel de protagonismo nas negociações do Recoop e na criação do Sescoop, o fluxo constante de investimentos teve um direcionamento adequado, por meio de decisões e responsabilidades compartilhadas entre a entidade e as cooperativas. Segundo ele, esse trabalho contribuiu de forma decisiva para a assertividade dos treinamentos e abrangência das análises de monitoramento, com transparência e eficácia na gestão dos recursos. “Com o Sescoop, os dirigentes cooperativistas do Paraná passaram a ter uma consciência maior em relação à necessidade de investir continuamente em qualificação”, ressalta.

Em entrevista à Revista Paraná Cooperativo, o líder cooperativista relembra situações marcantes no processo de negociação para o Recoop e o Sescoop, e indica os caminhos e desafios do Serviço Nacional de Aprendizagem para os próximos 20 anos. Acompanhe.

 

O Sescoop surgiu em decorrência das negociações do Recoop. Como foi esse processo de discussões e entendimento com o governo?

A década de 1990 foi extremamente difícil para o cooperativismo agropecuário. Sucessivos planos econômicos penalizaram o setor. Havia controle de preços. Houve um descasamento entre os preços gerais e os valores dos produtos agrícolas. As cooperativas tiveram prejuízos enormes e, pior, como não havia crédito rural suficiente, elas começaram a bancar o fornecimento de insumos por meio da conta corrente do cooperado. Isso em geral quebra um empreendimento, o que de fato aconteceu com várias cooperativas, que desapareceram.

O Paraná foi o primeiro estado a se manifestar, seguido de imediato pelo Rio Grande do Sul. Em conjunto com a Ocepar, o Rui Polidoro, da Fecotrigo, foi uma das pessoas que liderou esse processo. E começamos juntos a discutir uma proposta. Fui designado como o representante da OCB para fazer parte da comissão junto com os parlamentares e a Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA), que indicou o Homero Pereira, que era presidente da Federação de Agricultura do Mato Grosso. Numa primeira fase, houve uma discussão intensa, e a proposta demorou a ser formatada e aprovada, e considerou apenas a renegociação de dívidas até 200 mil reais.

As cooperativas ficaram fora, pois tínhamos dívidas superiores a esse valor. Veio na sequência uma segunda negociação que foi o PESA, que é o Programa Especial de Saneamento de Ativos, que contemplou dívidas superiores a 200 mil e as cooperativas então entraram nesse processo. Foi aí que começamos a discutir um programa específico para atender às cooperativas, que foi o Recoop. Foi um trabalho difícil, mas muito produtivo. É preciso reconhecer a gestão de Dejandir Dalpasquale à frente da OCB, e do superintendente da entidade, Amilcar Gramacho, que tiveram um papel fundamental.

Importante também a presença positiva de profissionais da Ocepar e das organizações de Santa Catarina, do Rio Grande do Sul, São Paulo, Minas Gerais e Goiás, além da OCB, que colocaram técnicos para ajudar a construir esse modelo de renegociação. Representando o governo foi indicado o José Gerardo Fontelles, que ocupava o cargo de assessor do Ministério da Fazenda, que passou a ser o coordenador das negociações, e as conversas evoluíram.

 

Houve forte adesão do Paraná?

Mais de 40 cooperativas paranaenses aderiram ao Recoop. O Paraná captou mais de 40% do valor do Programa, porque quando foram estabelecidas as regras, montamos uma estrutura técnica na Ocepar para dar suporte à elaboração dos pedidos junto ao comitê que fazia a análise desses pleitos, cuja a coordenação era do José Gerardo Fontelles, com a participação do nosso pessoal, principalmente José Roberto Ricken, Guntolf van Kaick, Juacir João Wischneski, Gerson Lauermann, e profissionais das cooperativas do Paraná.

Conseguimos sair na frente e apresentar as propostas e quando começavam a aparecer dúvidas, o comitê ia corrigindo os rumos, e o Paraná acessou um volume grande de recursos. Infelizmente, algumas cooperativas paranaenses, que hoje poderiam inclusive estar numa situação melhor, acharam que a adesão ao Recoop poderia prejudicar a imagem da cooperativa, e por isso não captaram recursos.

 

De que forma surgiu a ideia de criar uma entidade S para o cooperativismo?

O grande problema que tínhamos eram as dívidas de curto prazo, porque não havia linhas de financiamento de longo prazo. O Recoop foi fundamental, pois conseguimos alongar a dívida. Essa condição deu tranquilidade para as cooperativas começarem investir mais fortemente em processos agroindustriais para ter mais estabilidade.

No centro dessas negociações surgiu o seguinte questionamento: agora existem recursos para as cooperativas resolverem seus problemas de endividamento, mas como fica o futuro? Entendíamos que era a oportunidade ideal para sensibilizar o governo, no sentido de que precisaríamos acessar os recursos do Sistema S para poder formar o nosso capital humano, cooperados, dirigentes e funcionários das cooperativas. E essa iniciativa partiu da Ocepar.

O Gerardo Fontelles compartilhava essa mesma visão de que as cooperativas precisavam se profissionalizar e melhorar a gestão. Começamos a discutir isso no âmbito de governo, reafirmando a importância do Recoop, mas reivindicando recursos para investir na capacitação do capital humano do cooperativismo. Cabe destacar que na esteira da renegociação, conseguimos convencer o governo em implementar uma linha de financiamento de longo prazo, o Prodecoop.

 

O Sescoop pode ser considerado uma das mais importantes conquistas do cooperativismo brasileiro?

As duas coisas mais relevantes que ocorreram nos últimos 50 anos no setor, foram a lei do cooperativismo e a criação do Sescoop. Alguns consideram que a lei traz ranços do período ditatorial, mas ela foi vital porque normatizou, trouxe regras claras e viabilizou milhares de atividades de pequenos cooperados; e o Sescoop é um marco, que deu condições para que o setor ampliasse os investimentos no quadro de pessoas das cooperativas. Se comparar os dados do setor, o avanço proporcionado pelo Sescoop é inquestionável, com a melhoria da qualidade de gestão e a profissionalização nos diferentes setores das cooperativas, e até das diretorias. É realmente um divisor de águas. (Fonte: Sistema Ocepar) 

 

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