ENTREVISTA DA SEMANA: RICARDO BARROS
É preciso fazer mais com o mesmo, diz ministro da Saúde
Brasília (27/7/16) – Aos 57 anos de idade, nascido em Maringá, cidade da qual foi prefeito e onde mantém a sua base política que já o elegeu para cinco mandatos como deputado federal, o engenheiro civil e empresário Ricardo José Magalhães Barros é o ministro que responde por uma das pastas mais desafiadoras do governo interino de Michel Temer: a Saúde. Marido da vice-governadora Cida Borghetti Barros e pai da deputada estadual Maria Vitória, Ricardo tem sua história ligada ao cooperativismo: em 1963, o avô, Odwaldo Bueno Netto, assinou a ficha de cooperado número 1 da hoje Cocamar Cooperativa Agroindustrial e, por sua vez, ele integra a Frente Parlamentar do Cooperativismo. Nesta entrevista, concedida, no dia 3 de julho, em Maringá, o ministro afirmou que a gestão é um dos principais gargalos do sistema público de saúde e que as cooperativas médicas precisam ser estimuladas.
Ministro, quase 70% dos trabalhadores brasileiros são assistidos pela medicina privada. Com o aumento do desemprego, que deve chegar a 13% ao final de 2016, está havendo naturalmente uma sobrecarga no SUS, que já enfrenta grandes dificuldades para prestar um atendimento de qualidade à população. O que fazer?
Ricardo Barros - Diante da crise que se instalou, milhares de brasileiros perderam seus empregos e também a assistência médica que tinham para si e suas famílias. A saída, é claro, foi procurar o sistema público de saúde. Apesar de tudo, o SUS está preparado para receber essa sobrecarga de atendimento que resulta do desemprego. O sistema possui uma estrutura, que ainda necessita de resolutividade, pois há muito recurso que precisa ser melhor aplicado dentro do próprio SUS. Então, acredito que podemos fazer muito mais com o mesmo. Esse é o desafio e nós vamos conseguir melhorar o atendimento com a estrutura que temos e absorver essa demanda maior, que, aliás, é temporária, porque já se percebe a retomada do crescimento com a gestão do presidente Michel Temer.
Mas o sistema público de saúde enfrenta visível descompasso e necessita de muitos investimentos para melhorar a qualidade dos serviços oferecidos à população, que hoje é, reconhecidamente, ruim. Há hospitais públicos em dificuldades e a população, todos sabem, está insatisfeita.
Eu fui até recentemente relator do Orçamento da União no Congresso e conheço bem a situação, essa é minha especialidade. Ao longo de cinco mandatos como deputado federal, conheci a fundo o Orçamento. Mas, como eu disse antes, temos que fazer mais com o mesmo. Não vou defender novos recursos para a saúde enquanto eu próprio não estiver convencido de que os recursos já disponíveis estão sendo gastos da melhor forma possível. É preciso que haja qualidade nesse gasto público. E temos um longo caminho a percorrer nesse sentido.
O senhor está afirmando, então, que o gargalo é a gestão?
Ricardo Barros - O gargalo é a gestão, um pouco da cultura, um pouco do modelo, um pouco da interferência da agência reguladora e da regulação e também da judicialização da saúde no Brasil, que é legítima e eu não discuto isso. Mas a judicialização, por exemplo, tem produzido grandes distorções no atendimento. Minha proposta é abrir um diálogo, fazer uma boa parceria com todos os atores que agem sobre a regulação do sistema de saúde, para que tenhamos condições de prestar um atendimento com maior resolutividade ao menor custo.
De que maneira, na sua visão, a saúde suplementar pode contribuir para que haja uma evolução na qualidade dos serviços oferecidos à população em geral?
Ricardo Barros - Os planos de saúde são fundamentais para o financiamento da saúde no Brasil, pois ajudam a custear o próprio SUS. A maioria das entidades filantrópicas, por exemplo, que sobrevive com a qualidade do seu serviço, utiliza de 30 a 40% de sua estrutura para atender aos pacientes que possuem planos de saúde. Com o lucro atendendo aos planos, as entidades cobrem o déficit que têm ao atender aos pacientes do SUS. É fundamental que esse equilíbrio permaneça e espero que os brasileiros atualmente desempregados retomem suas oportunidades de emprego e venham a ter acesso aos planos de saúde suplementar. Com isso, eles estarão colocando mais recursos para o financiamento da saúde pública brasileira.
Por que o senhor citou a questão cultural como um dos desafios para melhorar o sistema público de saúde?
Ricardo Barros - Repito o que venho dizendo: o que nós precisamos para melhorar a saúde pública do Brasil é conferir mais resolutividade à atenção básica. As pessoas precisam chegar na atenção básica e conseguir resolver 70% dos problemas. Isto, pelo menos, é o que deveria ser a lógica. Mas criou-se uma cultura de mandar o paciente para o especialista, pedir exames, pedir complementaridade do diagnóstico, quando os profissionais que o atendem, no SUS, são qualificados. Se os profissionais do sistema público se dedicassem a uma consulta mais atenta, poderiam dar um diagnóstico sem a necessidade desses apoios complementares. Cinquenta por cento de todos os exames laboratoriais não são retirados pelos pacientes e 80% desses exames dão resultado normal. Portanto, poderia ter sido dispensada a solicitação e esse recurso ter sido gasto em outra área, como, por exemplo, a requalificação dos profissionais.
As cooperativas do Sistema Unimed planejam verticalizar os seus serviços, o que, levando em conta o que o senhor afirmou, pode ser positivo para a melhoria do sistema público. Como este assunto está sendo conduzido?
Ricardo Barros - Esse assunto foi discutido com o conjunto das Unimeds do Brasil e eu entendo que é uma boa medida de economia para o Sistema Unimed. Mas, como a clientela é muito descentralizada, nem sempre isso irá funcionar com mais conforto para os usuários. A minha proposta é que haja uma articulação entre as unidades do sistema público e os planos de saúde suplementar de modo que possam se apoiar mutuamente e também multiplicar os pontos de entendimento. Essa é, a meu ver, a direção a tomar.
O senhor considera ser possível que o sistema cooperativo médico seja contemplado com um programa como o Prodecoop, voltado à realização de investimentos em infraestrutura na área de saúde, como a construção de hospitais e aquisição de equipamentos mais modernos, com prazos adequados, carência e juros acessíveis?
Ricardo Barros - O Prodecoop foi muito bem-sucedido com as cooperativas agrícolas e acredito que também possa ser muito bem-sucedido com as cooperativas médicas. O que eu apenas estou observando é que a filosofia da aplicação desses recursos deve estar bem articulada com a realidade da disposição das estruturas já existentes na atenção básica de alta complexidade. Não queremos que se replique o que já existe, mas que se otimize as estruturas existentes e que possamos articular a visão de atenção à saúde regionalmente, como um todo, complementando o que não é oferecido. Por exemplo, há milhares de leitos inativos no país, que poderiam estar disponíveis, não se justificando a construção de novos leitos, mas a sua utilização numa parceria articulada.
O senhor tem uma tradição cooperativista em família e um histórico de defesa do setor, até porque integra a Frente Parlamentar do Cooperativismo. Agora, sendo governo, o senhor pretende incentivar o desenvolvimento do sistema cooperativista na área da saúde?
Ricardo Barros - Eu acredito que essa é uma das boas práticas que deve ser estimulada pelo governo. As cooperativas não visam lucro, seu objetivo é atender à necessidade dos cooperados, que são os donos do empreendimento, e têm compromisso com o desenvolvimento das regiões onde atuam. Não há a figura do acionista que busca o resultado da operação. Então, é óbvio que as cooperativas médicas podem produzir melhores resultados com melhor qualidade e a custos menores que os do próprio sistema privado.
E como o senhor vê a atual realidade do sistema cooperativista como um todo, no seu estado, o Paraná?
Ricardo Barros - Eu tenho muitos anos na Frente Parlamentar do Cooperativismo. Aprendi, durante esse tempo, a importância das cooperativas na estruturação econômica, em especial nas regiões mais afastadas. A grande vantagem é que a cooperativa se preocupa com o seu cooperado, que é a sua base. O Paraná é uma referência no assunto. As cooperativas são a solução mais adequada e devem ter os estímulos dos programas oficiais. É esse um serviço que o governo deve patrocinar.
Texto: Rogério Recco
Fonte: Revista Paraná Cooperativo.
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