21/05/2010 - Segurança alimentar está no campo
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Por José Graziano da Silva
A América Latina e o Caribe não podem desperdiçar o bônus econômico e político inédito acumulado nesta crise, como uma das regiões menos afetadas pela ressaca de ajustes traumáticos cobrados nesse momento do Leste Europeu e da Grécia, mas que também ameaçam a Península Ibérica.
Mais que o desfrute inercial de um ambiente de estabilidade democrática e relativa solidez econômica, essa é a hora de aprofundar acertos comprovados e, sobretudo, mapear flancos sensíveis a uma ação de governo, capaz de reforçar a imunidade estratégica da economia e propiciar avanços sociais no menor espaço de tempo.
Um dos nomes desse atalho é "fortalecimento da agricultura familiar" e, com ela, o resgate de alimentos originários da região, progressivamente substituídos em vários países, em especial nos mais pobres, por alimentos importados das nações ricas.
A necessidade de apoiar a agricultura familiar para garantir a segurança alimentar foi uma das conclusões da 31ª Conferência Regional da FAO, realizada no mês passado no Panamá, que reuniu 15 ministros e vice-ministros de Estado e representantes de 26 países da América Latina e Caribe, além de observadores de outros governos, da sociedade civil e de organismos internacionais.
A pedido dos governos, a FAO deverá reforçar seu apoio a políticas públicas para aumentar a produção da agricultura familiar; promover sua integração em cadeias produtivas; apoiar a comercialização das colheitas e desenhar mecanismos de financiamento associados ao uso de práticas de manejo que assegurem a sustentabilidade social, econômica e ambiental.
O reposicionamento da agricultura e da segurança alimentar no centro dos programas nacionais e regionais de desenvolvimento foi saudado no encontro pelo diretor-geral da FAO, Jacques Diouf, como um fator que permite olhar a próxima década com maior otimismo. Não se trata de mera retórica protocolar, mas a constatação de uma mudança política atestada pelas leis de segurança alimentar já aprovadas ou em tramitação em mais de 15 países da região.
Tudo isso ajudará a avançar novamente nessa frente, já que bastaram três anos de instabilidade internacional para que perdêssemos ganhos obtidos na última década e meia de combate à fome.
Esse efeito sanfona deve parte de seu impulso à paradoxal negligência com aquele que é o ator coletivo mais importante do campo regional: o agricultor familiar que reúne 70% das propriedades, 40% da produção e garante duas de cada três ocupações rurais na média regional. Estudos feitos pela FAO e o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), em 2007, confirmaram seu papel insubstituível no abastecimento de até 80% da cesta básica em regiões e núcleos populacionais de menor renda.
Para uma economia exportadora de alimentos, como é o caso da latino-americana e caribenha, a incapacidade de garantir uma dieta adequada à toda população é sempre uma lembrança incômoda da perversa desigualdade que ainda comanda o seu metabolismo produtivo.
Um ponto de solda desse gargalo está justamente nas características assimétricas da modernização agrícola assistida nas últimas décadas, que ampliou em 30% a produção e disseminou as relações de assalariamento no campo, mas que não reduziu a pobreza rural de maneira proporcional.
A queda de 50% nas cotações das commodities durante a crise, associada a uma contração mundial no financiamento à exportação - que poderá se repetir na esteira do ajuste europeu - evidenciou a fragilidade de uma arquitetura incapaz de prover a segurança alimentar até mesmo no campo. Metade da população rural latino-americana e caribenha subsiste abaixo da linha da pobreza, enquanto se desperdiça a capacidade produtiva de milhões de famílias para instaurar uma dinâmica social e econômica de características opostas.
Para resgatar o potencial da agricultura familiar e reverter esse quadro não basta fomentar a produção. Na maioria dos casos, trata-se de convergir esforços para programas unificados de reordenação territorial, a exemplo da experiência brasileira com o Territórios da Cidadania.
Dois obstáculos a serem atacados: a falta de acesso a estruturas de financiamento e comércio que assegurem o capital de giro para o plantio e, sobretudo, garantias de venda e preços mínimos na ocasião da colheita.
Uma pesquisa recente do IPEA constatou que, no caso brasileiro, a maioria dos agricultores familiares ainda planta sem ter um destino previamente negociado para o produto, tornando-se reféns de intermediários e atravessadores. Em contrapartida, 20% dessa colheita é vendida diretamente ao consumidor final, reafirmando a sua importância no abastecimento dos mercados mais distantes onde se agigantam a po"