Zero a Zero

Roberto Rodrigues

Coordenador do Centro de Agronegócio da Fundação de Getúlio Vargas e embaixador especial da FAO para as cooperativas.

 

Sempre se fala, nas rodas do agro, da nossa incapacidade de comunicar adequadamente à sociedade em geral as boas características do setor rural, tanto internamente, quanto na área internacional. E, como consequência dessa suposta fragilidade, acabamos perdendo mercados para muitos dos nossos produtos nos acordos comerciais pelo mundo afora.

Por outro lado, há um intenso movimento em defesa do meio ambiente em todos os rincões do globo, muito especialmente entre a juventude, por natureza idealista e preocupada com o descaso para com a preservação dos recursos naturais. E uma consequência dessa realidade é a crescente mudança de hábitos de consumo, em busca de alimentos ditos saudáveis. Nesse particular, cresce o número de vegetarianos e/ou veganos que justificam não comer carne porque o desmatamento aumenta para criar gado.

Em ambos os casos, falta a informação correta. Cada pessoa decide o que vai consumir por qualquer razão, preferência, gosto ou crença. Isso é absolutamente natural. Mas não é preciso fazer campanha contra esse ou aquele alimento, muitas vezes agressiva. E a repetição da desinformação vai criando uma espécie de convencimento, que, ao final, se transforma em verdade.

Portanto, realmente é importante esclarecer questões controversas, mas esse não é o papel dos produtores ou de suas instituições, porque sempre serão vistos como defensores de seus interesses, e não da verdade. A função de mostrar a verdade dos fatos deve caber à Academia e a organismos governamentais isentos de ideologia ou preconceitos, que provem cientificamente seus argumentos.

Mas, quando a discussão implica grandes interesses econômicos de países que são nossos concorrentes ou empresas gigantescas multinacionais, não se pode dizer que eles não conheçam a verdade. Nesse caso, a situação é outra, como acabamos de verificar na COP-25, realizada em dezembro último, em Madrid, com a finalidade de definir as regras e o financiamento de créditos de carbono, tendo em vista as reduções globais de emissões de gases do efeito estufa: mais uma vez, nada se decidiu na bela capital espanhola.

Nesse caso, todos os negociadores estão cansados de saber que temos uma produção rural sustentável, que temos o Código Florestal mais duro do planeta, que temos 63% do território ainda coberto de vegetação nativa, que só usamos 8% do território para todas as plantações agrícolas (da alface ao eucalipto), que o nosso etanol de cana emite apenas 11% do CO2 emitido pela gasolina, que temos o maior programa de agricultura de baixa emissão de carbono do mundo (o Plano ABC), que já plantamos mais de 7 milhões de hectares de florestas etc., etc.

Todos os principais negociadores estão cansados de saber disso, e os nossos representantes públicos e privados reptem 3esse mantra insistentemente. E repetiram em Madrid.

Então, por que só insistem em apontar erros que ainda temos, mas estamos combatendo, como desmatamento ilegal ou incêndios florestais criminosos? Porque, é claro, todos também sabem que temos as condições essenciais para sermos, em pouco tempo, os campeões mundiais da segurança alimentar. E essa taça ninguém quer perder! Aí, acaba o jogo antes de fazermos gol...
 

(artigo publicado na revista Agroanalysis, de janeiro/2020)

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