Onde tudo começou

A Inglaterra tem 177 anos de tradição no cooperativismo. Foi lá — mais especificamente, em Rochdale —, que surgiu a primeira cooperativa do mundo. Apesar disso, nosso modelo de negócios ainda não é amplamente conhecido na terra da rainha Elizabeth, nem nas outras três nações que compõem o Reino Unido: País de Gales; Escócia, e Irlanda do Norte.

O cooperativismo tem se transformado em uma terceira via econômica ao longo da história, sendo uma alternativa justa e socialmente responsável ao capitalismo e ao socialismo. Acontece que ele ainda não é amplamente divulgado para a sociedade. Para  ganhar mais espaço aqui na Grã- Bretanha, seria importante dar mais publicidade ao movimento”, afirma Rose Marley, presidente da Co-operatives — entidade de representação equivalente ao Sistema OCB no Reino Unido. 

Como é possível perceber, o desejo de tornar o cooperativismo amplamente conhecido por sua capacidade de gerar trabalho, renda e felicidade para as pessoas não é um desejo apenas das cooperativas brasileiras, mas de suas irmãs britânicas. Afinal, em momentos de crise como o que estamos vivendo — por conta da pandemia da Covid-19 — as pessoas ficam mais abertas  a mudanças e passam a apostar em modelos de negócios capazes de reaquecer a economia. E o cooperativismo sempre fica mais forte em cenários como esse. 

Quer uma prova?  As coops britânicas tiveram quatro vezes menos probabilidade de falir em 2020 do que outras empresas, de acordo com o anuário The Co-op Economy 2021, divulgado pela Co-opertives do Reino Unido em 28 de junho. Além disso, apenas 1,5% das cooperativas foram dissolvidas no ano passado, em comparação com 6,5% das empresas  mercantis.

O relatório revela, ainda, que o número de cooperativas composto por membros de clubes esportivos comunitários, associações de habitação e de crédito, também está crescendo no Reino Unido. Para completar, a receita total do setor aumentou de 38,6 bilhões de libras para 39,7 bilhões de libras —, um acréscimo de 2,8%.

“Historicamente, somos um modelo de negócios conservador em relação aos riscos do mercado financeiro. Quando a pandemia chegou, estávamos com a saúde econômica em dia. Foi esse conservadorismo que nos manteve vivos. Além disso, tivemos a união dos cooperados. A combinação de baixos níveis de dívidas e risco, e a cooperação de todos foi fundamental para passar pela instabilidade econômica causada pela pandemia”, destacou Ben Reid, CEO da Midcounties, maior cooperativa do Reino Unido, especializada na comercialização de produtos e serviços variados, como alimentos, viagens e cuidado com crianças.

DIFERENCIAIS

Além de criarem oportunidades de emprego e renda, as cooperativas britânicas oferecem serviços de qualidade a custo competitivos. Um detalhe muito importante do movimento de cooperativas daquele país é a união, a força dos cooperados. 

Quando os problemas vêm, os cooperados se apoiam. A pandemia reforçou a necessidade de cooperação e deixou à mostra as desigualdades. Foi um momento importante para as pessoas entenderem o movimento cooperativista e para a interação das cooperativas no Reino Unido”, revelou Reid.

A fórmula da resiliência cooperativista está na união dos envolvidos. Segundo Rose Marley, da Co-operatives UK, as coops britânicas conseguiram se manter ativas e em crescimento durante a pandemia. 

“As cooperativas são negócios resilientes e sustentáveis, que ajudam a reduzir as desigualdades sociais. Isto acontece porque tanto os cooperados quanto as cooperativas reinvestem o que ganham na economia local”, explica Rose. 

 Além disso, sempre que ocorre uma crise econômica, as cooperativas têm o cuidado de pensar localmente. “Como as decisões nas cooperativas são tomadas pelos cooperados, que são pessoas da própria comunidade, eles priorizam o bem- estar de todos e pensam sempre nos impactos de longo prazo de suas ações; j. Já investidores comuns, priorizam o lucro e tomam decisões com base em retornos a curto prazo. As cooperativas, pacientemente, acumulam, reinvestem as reservas e usam o capital dos membros sempre que possível, em vez de acumular dívidas para alcançar um crescimento mais rápido”, esclarece.

Justamente por isso, nenhuma organização tem tanta capacidade de se adaptar aos períodos de recessão econômica como as cooperativas. O anuário “The Co-op Economy 2021” — produzido no Reino Unido — revela que as cooperativas têm mais chances de sobreviver nos próximos cinco anos do que outros modelos de negócio, por colocar as pessoas em primeiro lugar.

O coração de cada cooperativa sempre foi a ideia de que, ao nos unirmos, todos podemos melhorar nossa situação e garantir que ninguém seja deixado para trás”, endossa Rose Marley. 

Vale destacar:  o cooperativismo desempenha papel fundamental na trajetória dos países para um desenvolvimento sustentável e equitativo, que vai muito além da geração de empregos. Embora a participação das cooperativas ainda no produto e no número total de empresas seja relativamente pequena na maioria dos países, sua promoção e expansão pode ser um instrumento relevante para o cumprimento dos objetivos econômicos, sociais e ambientais do país.

EQUIDADE DE GÊNERO

Outro diferencial importante do cooperativismo britânico: a forte presença de mulheres na liderança das cooperativas. De acordo com Rose Marley, no Reino Unido, esse é o modelo de negócios que tem mais líderes mulheres, seja no ramo crédito, agropecuário ou de pequenos negócios. “No Reino Unido, nota-se uma presença maciça das mulheres nas lideranças das cooperativas. Isso tem a ver com o propósito e com a motivação das cooperativas”, revelou. 

Para reforçar esse dado, o Reino Unido conta com uma grande líder cooperativista (a primeira mulher presidente da Aliança Cooperativa Internacional): Pauline Green, referência para o recém-criado Comitê Nacional de Mulheres Cooperativistas do Brasil. 

De acordo com o Reid, a trajetória de Pauline é brilhante. “Ela atravessou o ‘teto de vidro’ , porque conseguiu chegar onde nenhuma mulher tinha ido antes. O movimento cooperativista no Reino Unido tem como princípio a justiça em relação à raça e ao gênero. Pauline é a pessoa que concretiza esse princípio e torna-se uma inspiração para as mulheres no mundo. Como ela, chegamos em um lugar muito melhor.”.

ADAPTAÇÃO

Desde o início da pandemia da Covid-19, as cooperativas britânicas tiveram de mudar a forma de realizar negócios. A maioria delas aderiu às novas tecnologias, como as plataformas de comunicação que viabilizam reuniões on-line para manterem-se ativas durante o período de isolamento social, que foi bastante rígido em todo o Reino Unido. 

Ben Reid, da Midcounties, destaca que essas ferramentas se tornaram muito significativas, por viabilizarem reuniões on-line entre os cooperados e entre os colaboradores de uma cooperativa. “Essas tecnologias permitiram que os negócios funcionassem de casa. Essa mudança foi positiva e será mantida, assim como o trabalho remoto, em alguns casos”, defendeu Reid, que também é membro do Conselho da Aliança Cooperativa Internacional (ACI).


EM NÚMEROS

Existem no Reino Unido 

7.237 cooperativas que, juntas, melhoram as vidas de

13,9 milhões de cooperados

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Um pouco de história....

O Reino Unido é o berço do cooperativismo no mundo. Foi lá que nasceu essa filosofia transformadora, que mudou a forma como a humanidade busca o desenvolvimento econômico e valoriza as pessoas. O movimento cooperativista foi criado por um grupo de trabalhadores —, em grande parte, tecelões —, durante a Revolução Industrial, como forma de sobreviver ao aumento do desemprego e aos baixos salários pagos pelas indústrias europeias.

Criada em 1844, por 28 operários —– 27 homens e uma mulher —-, no bairro de Rochdale-Manchester, no Reino Unido, a Sociedade dos Probos de Pioneiros Rochdale (Rochdale Quitable Pioneers Society Limited) foi a primeira cooperativa a surgir no mundo. Esse grupo se reuniu várias vezes durante um ano para definir os princípios de um novo sistema econômico, diferente das empresas existentes na época. O sucesso da iniciativa passou a ser exemplo para outros grupos.

O grande feito dessa organização foi ter redigido um estatuto social que estabelecia objetivos mais amplos para o empreendimento e definia normas igualitárias e democráticas para a constituição, manutenção e expansão de uma cooperativa de trabalhadores. Essas normas, depois de serem debatidas em congressos internacionais, foram adotadas universalmente como princípios cooperativistas. 

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Esta matéria foi escrita por Gabriela do Vale e está publicada na Edição 34 da revista Saber Cooperar. Baixe aqui a íntegra da publicação


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