Dias melhores para sempre

Luz em meio à escuridão. Assim podem ser definidas as ações de impacto social que as cooperativas de todo o país têm executado em tempos tão difíceis. Quando a Covid-19 chegou tirando vidas, interrompendo sonhos, e tornando mulheres e crianças vulneráveis à violência, a ação desses grupos, em parceria com as comunidades, ajudou a iluminar a vida de milhares de brasileiros. Algumas dessas histórias foram contadas na celebração do Dia de Cooperar 2021, o nosso Dia C — movimento nacional de responsabilidade socioambiental das cooperativas brasileiras. 

Assim como em 2020, o evento deste ano foi realizado virtualmente, ao vivo, no YouTube e no Facebook do Sistema OCB. “Queríamos mostrar ao Brasil um pouco do que as cooperativas têm feito para minimizar os impactos da pandemia na vida das pessoas e na economia. Porque cooperativismo é isso: gente cuidando de gente! Além disso, queríamos celebrar o fato de nada — nem mesmo a crise pela qual estamos passando — conseguir ofuscar a paixão que nós, cooperativistas, temos pelas pessoas, e pelo nosso jeito ético e sustentável de fazer negócios”, explicou o presidente do Sistema OCB, Márcio Lopes de Freitas. 

Foi como disse a mestre de cerimônia do evento, Gisele James: estamos vivendo, sim, um momento preocupante, mas é preciso encontrar tempo para festejar as pequenas e grandes vitórias de quem está plantando o bem neste cenário de crise. E é isso que nós faremos agora, nesta reportagem. Confira!

FLORES EM VOCÊ

A pandemia do novo coronavírus obrigou o mundo inteiro a recalcular rotas, repensar comportamentos, criar caminhos diferentes. Para os integrantes da Cooperativa de Floricultores do Estado da Paraíba (Cofep), renascer da tristeza e da dificuldade não era algo novo. No fim dos anos 1990, o grupo (majoritariamente feminino) já havia surgido do caos, com o fechamento das usinas de cana-de-açúcar da região. Desemprego, desespero e alto índice de violência doméstica tomaram conta da cidade de Pilões e aquelas mulheres decidiram começar do zero, estudando sobre o cultivo de flores, que não era comum no estado. 

Mesmo sendo chamadas de loucas e sofrendo preconceito, acabaram tornando-se referência nacional na plantação de crisântemos, rosas e gérberas; ganharam prêmios, passaram a mandar suas flores para fora do Brasil. “Essa ação resultou como uma carta de alforria para as mulheres daquela região, porque a autonomia que elas adquiriram mudou tudo”, relata Karla Cristina Rocha, uma das fundadoras da Cofep.

No entanto, com a pandemia, a cooperativa, antes visitada por gente de todo o mundo, ficou novamente vazia de produção, de recursos e de esperança. “A flor está em todo momento da nossa vida, do nascer ao morrer, mas, com essa doença, não teve mais casamento, festa, comemoração, nem mesmo velório”, lamenta Maria Helena dos Santos, presidente da Cofep. “Então vimos nossas estufas vazias, perdemos todo o nosso investimento, e nada de renda chegando à nossa casa.” 

Sem fonte de renda, as mulheres retornaram para a dependência dos maridos e, consequentemente, os casos de violência doméstica voltaram a aumentar. Mais uma vez foi preciso partir do zero, e elas lembraram como são fortes. 

No meio da pandemia, nasceu a solução de mais um problema; o grupo se reuniu e teve a ideia de produzir hortaliças orgânicas, porque foi possível aproveitar toda a estrutura das estufas que anteriormente eram usadas para o cultivo das flores”, explica Karla Cristina.

A nova produção ganhou volume e devolveu a autonomia para aquelas mulheres. Hoje elas já fazem planos para conciliar a produção de hortaliças com as flores, que devem voltar em breve. “Provamos que, todo desafio que vier, a gente topa e enfrenta; mostramos para todo mundo que somos unidas, fortes, vencemos e vamos vencer mais ainda”, comemora Maria Helena.

ESPORTE DO BEM

A vulnerabilidade social do Bairro de Itararé, em Vitória  –  ES, também ficou mais evidente com a pandemia da Covid-19. E foi ali que prosperou mais uma ação cooperativista celebrada nacionalmente: crianças e jovens que sofriam com a reclusão da quarentena, sem escola, sem convívio social, receberam com um sorriso no rosto o Projeto Esporte do Bem, de iniciativa do Instituto Unimed Vitória. As aulas de basquete e futebol oferecidas gratuitamente a alunos de 7 a 14 anos, desde outubro de 2020, encheram de alegria a comunidade. 




Sheila Marinho Norberto, mãe de Gabriel Marinho, de 8 anos, conta que o filho chegou a ficar depressivo com o isolamento e só melhorou com a chegada da equipe da Unimed Vitória. “Essa oportunidade foi muito boa, vendo o momento em que a gente estava muito dentro de casa, sem poder sair por causa da pandemia, quando veio o projeto, nós ficamos muito animados”, comenta a mãe. “Eu fiz uns 100 amigos já”, conta o pequeno, empolgado e sorridente. O projeto, por enquanto, atende 110 crianças com segurança, e começa a se expandir para outras comunidades da região. A ideia é chegar a 300 alunos, quando a situação da pandemia permitir. “O Esporte do Bem é nosso catalisador. Com ele, a gente tenta potencializar a transformação social para integrar várias outras ações”, explica o diretor executivo da Unimed Vitória, Cosme Péres. Em fevereiro deste ano, por exemplo, o grupo organizou o Dia do Bem, oferecendo atendimento médico, nutricional, farmacêutico e de fisioterapia para as crianças e os adolescentes que fazem parte do projeto e seus familiares. 

COOPERAÇÃO PARA SALVAR VIDAS

Além de todos os efeitos emocionais e econômicos, a pandemia da Covid-19 trouxe altas taxas de mortes e internações, sobrecarregando ainda mais a já escassa estrutura do Sistema Único de Saúde (SUS). Assistir a esse cenário de braços cruzados não foi uma opção para os cooperados do Sicredi Ouro Verde, da cidade de Lucas do Rio Verde, em Mato Grosso. Mesmo também vivendo dificuldades por conta da crise que tomou o mundo, eles escolheram contribuir de verdade para minimizar a dor alheia.

Num movimento unificado, 95 mil associados do Sicredi abriram mão do recurso vindo de suas contribuições para auxiliar o trabalho dos profissionais de saúde da região. “Vimos que muitos irmãos nossos estavam sem saber o que fazer diante de tanta dificuldade e procuramos especialistas na área para mostrar do que precisavam mais”, relata o presidente da cooperativa, Eledir Pedro Techio. “Entendemos que, se nós salvássemos uma vida, já teria valido a pena o nosso investimento.” 

Assim, o grupo criou o Cooperação para salvar vidas e conseguiu doar R$ 5 milhões para a compra de Equipamentos de Proteção Individual (EPIs) e aparelhos para as Unidades de Terapia Intensiva (UTIs) de hospitais que atendiam pacientes com Covid. Além da própria contribuição, a cooperativa ainda incentivou a comunidade a complementar o auxílio.“Essas ações, sem dúvida alguma, contribuíram com o salvamento de muita gente; podemos dizer que somos corresponsáveis pelas mais de 400 mil vidas recuperadas no nosso estado”, comemora a presidente do Conselho Regional de Medicina de Mato Grosso (CRM-MT), Lucia Helena Sampaio, com a voz embargada.

Estranho seria a gente não se emocionar falando de toda essa nossa trajetória no enfrentamento à Covid”, acrescenta Gabriela Refatti, diretora do Hospital São Lucas, um dos atendidos pelo projeto. Com a ajuda dos cooperados e da comunidade, a unidade de saúde conseguiu abrir mais 30 leitos de UTI. “Quando a pandemia nos pegou de frente, nos sentimos muito desamparados, mas, ao receber ações como essa que teve o Sicredi, como uma mão amiga segurando a instituição, a gente conseguiu ao menos vislumbrar uma certa tranquilidade nesses momentos delicados”, complementa a diretora.

DIGNIDADE PARA TODOS

Sintonizadas com o Dia C, as cooperativas atuam também para melhorar o ambiente em que vivem tantas pessoas em regiões vulneráveis. Assim, surgem projetos de sustentabilidade, como o da Unimed Belém, que atua pelo desenvolvimento da região de Marajó, no Pará. Este ano, o trabalho do grupo foi direcionado à comunidade ribeirinha da Vila do Palheta, que vive do extrativismo vegetal, da pesca e da caça, e que quase não tem acesso a serviços públicos, principalmente de saúde.

A ação da cooperativa tem sido voltada para o saneamento básico, com a implantação de 44 banheiros ecológicos para os 140 moradores locais. “Depois de fazer uma visita técnica para ver a situação real da comunidade, nós percebemos que a região era vítima de muito descaso por parte do poder público”, argumenta Eduardo Abrahão, assessor de sustentabilidade da Unimed Belém.

A assessora de Promoção Social do Sistema OCB/PA, coordenadora do Dia C no estado e articuladora do projeto, Flávia Gil, destaca o impacto direto para a população. “O principal é perceber como a semente do cooperativismo pode transformar a realidade e trazer sustentabilidade, pois essa ação vai ter resultado não só para a geração de agora, mas também para as próximas”, comenta.

PLANETA ÁGUA

No Paraná, o Projeto Nossa Água também leva a visão sustentável a comunidades vulneráveis. Coordenada pela Cooperativa Agroindustrial Integrada, a ação tem origem e foco na preocupação com a finitude dos recursos hídricos da Terra. 

As atividades de conscientização ambiental existem desde 2006, mas, com o tempo, o grupo tem atuado também em outras frentes, como o repovoamento de rios e a recuperação de nascentes. Nesses 15 anos, já foram plantadas mais de 1 milhão de mudas pelo projeto. “Acreditamos que o desenvolvimento sustentável inicia hoje para que as futuras gerações possam também usufruir dos recursos naturais”, explica a coordenadora de sustentabilidade da cooperativa, Ana Lúcia Almeida.

E já é possível colher os frutos desse empenho ao observar a fala articulada da estudante Amanda Salvetti, de 16 anos, que participa do projeto desde bebê. “Eu tive o privilégio de receber essas informações organizadamente quando criança e agora eu consigo visualizar os benefícios”, conta a jovem. “Nós temos hoje um ar mais puro, uma vegetação deslumbrante, paisagens que são fenomenais, e eu acredito que, se cuidarmos do nosso presente, as próximas gerações poderão usufruir mais ainda do contato com a natureza.”  

DOANDO ENERGIA

Cuidar do planeta utilizando os princípios do cooperativismo tem sido o lema do Sistema Ocemg na execução do Programa de Energia Fotovoltaica do Cooperativismo Mineiro (MinasCoop Energia). O projeto, lançado neste ano, incentiva as cooperativas de Minas Gerais a construírem usinas de energia limpa e autossuficiente e a doarem parte da produção para unidades de saúde do estado. 

Uma das beneficiadas pelo programa será a Santa Casa de Misericórdia de Belo Horizonte, que gasta, mensalmente, R$ 100 mil com as contas de energia e poderá economizar mais de R$ 1 milhão por ano quando a doação da usina chegar, ainda em 2021.

Nós sabemos que esse hospital vive com dificuldades imensas, e sempre pensamos em ajudá-los e fazer disso um processo para que possa ter impacto do ponto de vista ambiental, econômico e social”, comenta Garibalde Mortoza Jr, presidente do Sicoob Credicom, que também integra a ação.

O presidente do Sistema Ocemg e um dos idealizadores do Dia C, Ronaldo Scucato, comenta que a expectativa sobre o MinasCoop Energia é grande pelo potencial de reprodução da ideia no restante do país. “Já temos a confiança e a participação de quase 20 cooperativas, e contamos com todas para que essa iniciativa também se torne um grande exemplo de como o cooperativismo promove transformações”, conclui.

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QUAL É A MÚSICA?

Uma das principais atrações do Dia C 2021 foi a trilha sonora. As cooperativas que tiveram suas histórias contadas no evento ganharam uma música especial, cantada pela banda CONECTA — formada por músicos de Brasília que, assim como as nossas coops, viveram a superação da pandemia.  Olha que maravilha a seleção:

Cooperativa: Unimed Vitória (ES)

Música: Sementes do Amanhã, Gonzaguinha

Trecho

“Ontem o menino que brincava me falou
Que o hoje é semente do amanhã
Para não ter medo, que esse tempo vai passar
Não se desespere não, nem pare de sonhar”

Cooperativa: Unimed Belém (PA)

Música: Sal da Terra, Beto Guedes

Trecho

“Um mais um é sempre mais que dois
Para melhor construir a vida nova
É só repartir melhor o pão
Recriar o paraíso agora
Para merecer quem vem depois”

Cooperativa: Cooperativa dos Floricultores do Estado da Paraíba 

Música: Anunciação, Alceu Valença

Trecho

“Na bruma leve das paixões que vêm de dentro
Tu vens chegando pra brincar no meu quintal
No teu cavalo
Peito nu, cabelo ao vento
E o sol quarando nossas roupas no varal”

Cooperativa: Cooperativa Integrada (PR)

Música: Planeta Água, Guilherme Arantes

Trecho:

“Águas escuras dos rios
Que levam a fertilidade ao sertão
Águas que banham aldeias
E matam a sede da população”

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DIA C EM NÚMEROS

+ de 20 milhões de pessoas 

foram impactadas pelas ações de responsabilidade social do Dia C desde o lançamento do programa, há 12 anos

+ de 11 mil projetos 

realizados nesse período

1 em cada 4 municípios brasileiros 

é beneficiado por programas de responsabilidade social promovidos por cooperativas

SOMENTE EM 2021...

1.295 iniciativas previstas

1.277 voluntários 

133 mil pessoas beneficiadas


Esta matéria foi escrita por Por Adriana Caitano e está publicada na Edição 34 da revista Saber Cooperar. Baixe aqui a íntegra da publicação


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